terça-feira, 12 de março de 2013

Entrevista Kaká Dipolly


Kaka Dipolly é um ator performático e Drag Queen conhecido no Brasil por suas apresentações e participações em grandes festas. Possuidor de performances divertidas, espalhafatosas e cheia de glamour, ele abriu as portas de sua confortável residência no bairro do Ipiranga, em São Paulo, para uma entrevista exclusiva aos leitores da Agência de Notícias LGBT Brasil.

Kaká me recebe de cara limpa, sem nenhuma maquiagem, mas seus traços permitem identificar o artista que tanto vi presente nas boates pelas noites em São Paulo.

Leia a partir de agora a entrevista que está incrível, cheia de histórias e recordações deliciosas de um artista que deve ser reverenciado por todas as gerações. O nosso país não cultiva a história de seus filhos, Kaká Dipolly é uma lenda vida da história da noite paulista e carioca. Aqui prestamos nossa homenagem a essa figura pública do Brasil na semana em que faz aniversário. Parabéns Kaká!!




ALGBT: Onde você nasceu Kaká?
Eu sou de São Paulo, nasci na capital no bairro do Ipiranga em abril de 1960.

ALGBT: Como foi a sua infância?
Eu fui muito mimado e paparicado pela minha família. Somos tradicionais no bairro do Ipiranga e meus pais tinham uma malharia. Desde pequeno eu gostava de parar na frente do espelho e colocar uma toalha na cabeça, enrolada aos meus cabelos e adorava passar batom, lápis no olho, escondido de todos é claro. Nessa época eu tinha nove anos. Um pouco mais tarde, já adolescente, eu era o tipo mauricinho, fazia escola Pan-americana, usava cordão, pulseira, anel e relógio de ouro. Quando completei dezoito anos já tinha o meu próprio carro e sempre ganhei mesada do meu pai, foi uma infância maravilhosa.

ALGBT: Além da escola Pan-americana o que você estudou?
Eu sou psicólogo formado pela Universidade São Marcos. Estudava junto com o Gasparetto e também com a Gretchen que fazia letras. Nós eramos “os conhecidos” da faculdade e a Gretchen muitas vezes chegava para estudar vinda direto dos shows que fazia. Em pouco tempo o pessoal colocou em nós três os apelidos de “Macumbeiro”, o Gasparetto, a “Bicha”, Eu e no caso da Gretchen a chamavam de “Puta”. Nessa época eu passei a fazer dezenas de festas já como Kaká Dipolly, estava a toda com o meu personagem, comprava roupas, perucas, cada uma mais linda que a outra.

ALGBT: Como resolveu se montar como uma Drag?
Foi muito engraçado a primeira vez que eu me montei. Meu amigo Sérgio Kalil promoveu uma festa chamada “Noite da Viúva Negra” para comemorar seu aniversario. Tinha que ir caracterizado pois o Sergio iria fazer uma performance de Viuva Negra. Nessa época existia um filme de sucesso com a atriz Sonia Braga, que fazia o papel de uma mulher aranha, uma viúva negra, enfim, alguma coisa assim. Eu peguei um vestido de festa de minha mãe e uma peruca que ela usava, comprei um sapato na loja “Eurico dos pés grandes” e fui para a festa na Rua Treze de Maio. Chegando próximo da festa não encontrei lugar para estacionar meu carro e fui subindo a rua, quando percebi estava muito longe do local do aniversario e só estacionei na Praça Dom Orione, onde hoje tem o restaurante Villa Tavola e o Clube Glória. Sai do meu carro e já estava todo caracterizado com um véu preto na cara, como uma viuva mesmo, pois naquela época as mulheres viúvas costumavam manter por algum tempo o luto usando roupas pretas e véu no rosto. Descendo a Rua Treze de Maio, chegando próximo da igreja Nossa Senhora Achiropita percebi o Padre saindo e fechando o portão. Pensei “fudeu”, se o Padre me ver assim ele vai me desconjurar, então escondi bem o meu rosto com o lenço preto e apertei o passo, só que não deu certo, ao passar ao lado do padre ele me para e diz: “Não chores filha, ELE está com Deus. Vá em Paz, em nome do Pai, Filho e do Espirito Santo”. Ele achou que eu era uma viúva e me abençoou. Cheguei na festa dando gargalhada, muito feliz, contei para todo mundo que havia enganado o Padre. Naquela época eu tinha de 17 para 18 anos mais ou menos e a partir dali comecei a brincadeira de me transformar. Vieram outras festas e eu adorava a farra.

ALGBT: Teve alguma inspiração para criar a Kaká Dipolly?
No inicio eu acompanhava o trabalho de um travesti americano chamado Divine. Ela é bem gorda, espalhafatosa e pensei logo em seguir a linha dessa travesti. Eu sempre fui gordo e daí comecei a fazer tudo igual a ela, com umas perucas todas desarrumadas, um rosto bem branco e com os olhos puxados e cheios de traços coloridos. Deu muito certo tanto que meu primeiro contrato foi com o Marcelo Beauty para a primeira Feira Cosmética em São Paulo.

ALGBT: Você frequentava a noite para fazer shows ou se divertir?
Eu adorava sair para me divertir, e frequentava uma balada chamada Regine’s, tinha também outra famosa e muito bem frequentada, a Honorabilis Societate, mas não eram lugares gays, mas sim festas da alta sociedade paulistana. Até que um dia eu descobri uma boate gay chamada Medieval e nessa boate tudo acontecia.

ALGBT: Como foi no início de carreira?
Eu frequentei as melhores festas, shows e até residencias que como homem eu jamais seria convidado. Naquela época eu e as meninas Drag’s estávamos desbravando um território que hoje as atuais já pegaram caminhos abertos. Por exemplo a Tchaka, que é a Rainha das Festas, e realmente pode se orgulhar de possuir esse título, ela não se apresenta nas boates e tem um visual todo de Drag Queen mesmo, o importante é o nosso visual que não “concorre” com o visual das mulheres. Uma Drag verdadeira é aquela coisa mais forte, com uma peruca imensa e colorida, cheia de flor e vestidos cheio de coisinhas, chamando a atenção, com plumas, leque, luva, anéis, colares, as Drag’s são espalhafatosas e isso fazia com que fossemos recebidos em todos esses lugares.

ALGBT: Porque você parou de sair como Drag Kaká Dipolly?
Eu hoje em dia não faço mais isso porque as minhas montagens eram muito caras, com roupas exclusivas onde jamais eu repeti um modelo. Tenho muita roupa, e olha que já doei muitas também mas atualmente as Drag’s estão colocando peito de mulher, usando cabelos de mulher, roupas de mulher, não tem mais o ar espalhafatoso e exagerado, acabou o glamour, estão virando verdadeiras travestis e não mais Drag Queen. Hoje em dia são poucas as que vivem realmente uma Drag, normalmente são as que fazem festas e se especializaram nisso. As outras, mais antigas já colocaram peitos para arrumar homem. Eu fui a primeira Drag do Brasil pois do jeito que eu fazia não tinha nenhuma.

ALGBT: Soube que você gostava de frequentar festas no Rio de Janeiro?
Eu sou “louca” né e quando tinha uma festa badalada no Rio de Janeiro, por exemplo, pegava um avião e ia para la com minha amiga Salete Campari, também com a Drag Mamãe que é meu amigo Beto de Jesus. Nós gostávamos muito de frequentar no Rio as festas da VAL-DEMENTE, e tenho episódios ótimos para contar. Por exemplo, numa dessas festas encontrei a atriz Vera Fisher, estava acompanhada de muitos seguranças e quando eu a vi, corri para tirar uma foto ao lado dela. Um dos seus seguranças, um brutamontes, tomou a minha máquina mas ela (Vera Fisher) viu e pediu que o segurança me devolvesse e que deixasse eu fazer a foto com ela, tirei várias. Assim que eu sai dali chegou um jornalista e me perguntou quanto eu queria pela foto. Eu pedi que ele me procurasse no dia seguinte no hotel e para resumir a história ele me pagou na época seiscentos reais e a foto foi publicada na Revista Amiga com a manchete: “Vera Fisher se esbalda em festa com a Draq Queen Kaká Dipolly no Rio de Janeiro”. Isso para você ver que naquela época a personagem Drag Queen nos permitia entrar em lugares que os gays não eram aceitos. Agente entrava em grandes festas héteros e eramos muito bem recebidas. Nessa época era Kaka Dipolly, Nany People, que ainda não era Drag mas sim uma transformista, tinha também minha amiga Salete Campari, e mais umas quatro ou cinco Drag’s. Nós eramos as rainhas da noite, tanto que a Érika Palomino lançou um livro e colocou uma pagina dedicada a cada uma de nós.

LGBT: Conte alguma passagem das festas que você frequentou.
As melhores festas que eu já frequentei foram as Noites de Hollywood que aconteciam na extinta boate Medieval. Elisa Mascaro foi a dona da Medieval e depois da Corinto, posso dizer que ela é minha mãe da noite. Lá frequentavam nomes como Chiquinho Scarpa, Clodovil, Fernando Color, Silvio Santos, Toquinho, Vinícius de Moraes, Elis Regina, todos foram na Medieval. Era uma coqueluche, como que frequentar o Studio 54 em Nova York. O estilista Dener, certa vez inventou de se vestir de mulher para uma apresentação e forrou o palco inteiro de casacos de Vison Branco. Numa dessas festas o Chiquinho Scarpa mandou forrar a Rua Augusta com um carpete verde da praça Scarpa até a porta da Medieval para ele chegar em seu Rolls Royce. Outra passagem foi com a Wilza Carla que chegou montada em cima de um elefante e vestida de odalisca. A Medieval era no começo da Rua Augusta, os apartamentos em frente cobravam ingressos para as pessoas verem a chegada do povo. Teve também a boate Corinto, veio logo após a Medieval. Certa vez eu e uma amiga chamada Cristal nos maquiamos para ir a uma dessas festas. Ela foi de carona com um motoqueiro, eu estava vestida de borboleta prateada, parei um caminhão de mudanças da Granero e ofereci na época um bom dinheiro para que me levasse até a porta da boate. Pedi que ele abrisse o bau do caminhão e deixasse eu entrar, dei o endereço e fomos. Ao chegar naquele caminhão enorme, a rua toda tomada de gente, abriram o baú do caminhão eu apareci de borboletinha, foi uma festa. Uns gritavam como louco, outros saíam correndo de dentro da boate para ver o que estava acontecendo pois o barulho era muito alto. Eram festas deliciosas de frequentar, pena que acabou.

ALGBT: Você já sofreu preconceito?
Eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito na rua, mas sofri dentro da minha casa. Primeiramente vou te dizer que antigamente as pessoas na rua paravam o carro para me ver, me pediam para tirar fotos, era maravilhoso. As pessoas gostavam de Drag’s e nós entravamos numa boate hetero e eramos respeitadas por todos. Hoje em dia a maioria dos Gays tem um jeito totalmente único de se vestir, então é muito fácil de se identificar um gay. Eu bato o olho em uma pessoa e sei se é Gay ou Hétero. Na nossa época nós também tínhamos ataque de carecas, eu mesma já fui atacada pelos carecas aqui no Ipiranga, apanhei mas bati muito. É assim que tem que agir, não digo que violência tem que ter violência, mas alguém bate na sua cara e você deixa quieto? Claro que não. Mas isso é caso isolado, preconceito mesmo jamais senti na rua. Agora em relação a minha família, o negócio foi bem sério. Eu estava dando uma festa para oitenta pessoas aqui em casa e minha família toda estava em Santos. Uma prima ligou para o meu irmão e disse que eu era gay e que naquele momento a casa estava cheia de “viados”. Meu irmão pegou o carro e subiu a serra, chegou aqui e entrou na casa furioso, me apontou um revolver, colocou o na minha boca, e disse que eu teria que confirmar a ele que eu não seria gay. Eu tirei o revolver da minha boca e disse a ele que teria então que me dar um tiro, confirmando que eu era Gay. Depois foi uma bagunça na família toda, ele contou para o meu pai e fiquei um mês de castigo, sem poder pegar o carro, me cortou até a mesada. Com o tempo eles perceberam que a coisa não podia mais mudar e me aceitaram. Minha mãe, quando entrava em meu quarto e via as minhas fotos maquiada, fazendo caretas, dizia assim: “Nossa, você precisa fazer essa cara de bruxa nas fotos? Não pode fazer uma maquiagem mais suave?” – risos. Eu tenho o costume de mostrar a língua como irreverencia, é uma marca registrada. Hoje em dia minhas sobrinhas me adoram e vão a Parada Gay, me acompanham no teatro, me chamam de tio Kaká, me respeitam numa boa e meu irmão atualmente também me respeita muito.

ALGBT: Como você observa o preconceito que existe contra os Gays?
Todo homem tem o seu lado gay. Alias todo ser humano tem os dois lados, pois fomos constituídos da parte masculina de nossos pais e a parte feminina de nossas mães. Se um homem olha para um gay e se aterroriza com aquilo, acha um absurdo, ele fica indignado, esse homem certamente tem algum problema interno. Quem não tem problema algum não se importa com nada, se o homem é gay, hetero, se é um travesti, tanto faz. As pessoas homofóbicas, falo agora como psicólogo, são pessoas tem alguma passagem de homossexualidade na vida, de uma forma muito latente. O ser humano só é violento quando se reprime alguma coisa, toda repressão gera violência. Olha que interessante, posso dizer que 30% dos homens que eu tive relacionamento na vida eram heteros e hoje em dia continuam sendo héteros com suas esposas e namoradas, eles estiveram comigo por curiosidade.

ALGBT: Você já foi casado?
Nunca me casei de fato mas tive ao todo vinte e quatro pessoas, contando entre meus casos e namoros. Mas eu nunca sai da minha casa. Eu tenho um imóvel bem próximo aqui (da casa onde mora) e cheguei a montar algumas vezes lá uma casa para deixar alguns dos meus namorados, mas nunca eu sai aqui dessa casa que foi onde eu nasci e sempre convivi com minha família, pais, irmãos, nunca deixei ninguém invadir a minha privacidade.

ALGBT: Você é a favor da Parada Gay?
Tenho que gostar da Parada Gay, vou todos os anos. Eu fui um dos que comecei com essa história de Parada Gay e tenho honra de dizer que a primeira parada de São Paulo aconteceu foi por minha causa. Fizemos uma primeira manifestação um ano antes que foi na frente da Igreja da Consolação com uma perua kombi e duzentas e poucas pessoas. Foi a primeira vez que se fez uma manifestação Gay em São Paulo. Dai Beto de Jesus, Eu, Salete e todos os que fizemos a primeira equipe da Associação da Parada Gay de São Paulo, resolveram fazer um ano depois na Av. Paulista. A Parada Gay foi para a Paulista com carro de som e no total apareceram cerca de mil e poucas pessoas. Chegou em um determinado momento que a policia disse que iria encerrar tudo aquilo ali como “uma manifestação”. Disse a nós que não poderíamos mais sair em cortejo pela Av. Paulista porque não deu o tanto de pessoas que pensavam que estariam por lá. Eu virei para o Beto de Jesus e disse que iria fazer uma coisa, e que nessa hora ele colocasse o carro de som e o povo todo na Paulista. Eu pequei, me embrulhei na bandeira do Brasil que estava segurando e me joguei no meio da rua, como se eu tivesse desmaiado. O transito parou e no que o Beto viu o transito parado, a confusão toda, fez sinal para o motorista do caminhão entrar na Paulista e o pessoal saiu tudo andando atrás. Não teve mais como segurar. Nisso veio a policia para me prender e eu questionei o porque que eles queriam me prender, só porque eu passei mal e desmaiei? Eu disse algo assim: “Sou cardíaco e preciso de ajuda”. Virei aos guardas e perguntei se eles iriam me levar para um hospital? Sem resposta pedi para meu namorado que me levasse ao hospital, virei as costas e a policia ficou me olhando. Dei uns passos sai no meio do povo balançando a bandeira e posso dizer que por conta disso a primeira Parada Gay saiu na Av. Paulista. Essa história não consta no livro da Parada Gay, mas as quase 2 mil pessoas que estavam por la acompanharam e viram tudo isso. Tem gente que fotografou e eu não tenho essas fotos, gostaria muito de tê-las. (Se alguém tiver essas fotos entre em contato com a agência lgbt e nos mande para publicarmos e presentearmos o Kaká Dipolly).

ALGBT: O que falta na vida de Kaka Dipolly?
Quero fazer um texto dramático no teatro. Eu já fiz comedia com o Ronaldo Ciambrone no espetáculo Miss Brasil Sou Eu. E quero fazer também um grande especial como os shows de Paris dos grandes clubes da Europa. O nome é segredo, mas seria um grande evento beneficente em prol das vitimas do HIV. Tem uma pessoa que tem uma proposta de escrever um livro sobre Kaká Dipolly, que eu já doei todo o meu acervo de fotos, ele vai escrever o livro da minha vida.

ALGBT: Uma frase final para deixar.
Quero dizer para que as pessoas vivam o mais intensamente possível as suas historias de amor, que as pessoas procurem entender o porque de seus desafetos. Que elas tenham para com os outros um olhar não de julgamento mas um olhar de solidariedade, no sentido de saber entender o que é que faz um ser diferente do outro. O dia que o mundo tiver um pouquinho disso, nós teremos 50% ganho de uma historia que pode ser muito feliz. Porque dois homens podem ter sim uma história feliz juntos, da mesma forma que duas mulheres. Os travestis, os héteros, todos podemos ser muito felizes. Que exista o respeito, isso é o que falta no mundo.

Fonte: http://agencialgbt.com.br  Texto: Ronaldo Ruiz  
Fotos: Reprodução/AgênciaLGBT

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